Num desfecho explosivo e carregado de implicações para o futuro da inteligência artificial, a Meta conquistou uma vitória parcial no tribunal ao enfrentar uma acusação bombástica de “pirataria” digital por parte de autores renomados — mas o sabor desta vitória pode ser mais amargo do que doce. A decisão histórica lança luz sobre como a justiça poderá, no futuro, travar os gigantes tecnológicos que utilizam obras protegidas por direitos de autor para treinar os seus modelos de IA.
Durante os últimos dois anos, uma avalanche de processos judiciais tem abalado o setor tecnológico, com detentores de direitos de autor a atacar empresas de IA por utilizarem obras protegidas — sem qualquer tipo de autorização — para treinar os seus Modelos de Linguagem de Grande Escala (LLM). A Meta, gigante da tecnologia, está entre os alvos principais, enfrentando uma ação coletiva de alto perfil movida por autores como Richard Kadrey, Sarah Silverman e Christopher Golden. O cerne da acusação? A utilização de bibliotecas de livros pirateados para alimentar os seus algoritmos.
A própria Meta admitiu ter recorrido a fontes não autorizadas para treinar o seu modelo Llama. No entanto, a empresa negou veementemente qualquer violação de direitos de autor, baseando a sua defesa no polémico conceito de “uso legítimo” (fair use).
Duelo Judicial: Julgamento Resumido em Jogo
Em março, ambas as partes apresentaram moções de julgamento sumário parcial. A Meta alegou que o uso das obras era justo, destacando que não causava qualquer dano ao mercado nem competia com os trabalhos originais. Do outro lado, os autores insistiram que o download massivo de milhões de livros pirateados não podia, sob qualquer prisma legal, ser classificado como uso legítimo.
Embora o processo não abranja ainda as alegações de distribuição ilegal (como o uso de BitTorrent), ele está a ser observado com lupa por detentores de direitos e empresas tecnológicas em todo o mundo, na esperança de obter diretrizes sobre a legalidade da utilização de conteúdos protegidos em IA.
Meta Ganha… Por Agora
O juiz federal dos EUA, Vince Chhabria, deu razão à Meta em parte significativa do caso, negando o pedido dos autores para que a empresa fosse responsabilizada por infração direta. O tribunal foi mais longe e concedeu a moção da Meta, considerando que o uso das obras para treino de LLMs se enquadra, neste caso específico, nos limites do uso legítimo.
A decisão baseou-se na análise criteriosa dos quatro fatores do fair use, com o juiz a destacar que a ausência de “dano ao mercado” foi decisiva. O tribunal reconheceu o caráter transformador do uso feito pela Meta, ao argumentar que os modelos LLM têm finalidades e naturezas diferentes das obras originais, permitindo a criação de texto diversificado e funcionalidades inovadoras.
Sem Provas, Sem Vitória: O Argumento do Dano de Mercado Falhou
Os autores apresentaram dois argumentos principais sobre o dano ao mercado: primeiro, que o Llama poderia recitar partes substanciais das obras, o que permitiria acesso gratuito. No entanto, o tribunal desvalorizou esta alegação, apoiando-se em testemunhos técnicos que indicavam que o modelo não conseguia gerar mais de 50 palavras de qualquer um dos livros dos autores — mesmo sob “prompting adversarial”.
O segundo argumento — que a Meta prejudicava o mercado emergente de licenciamento para treino de IA — também foi rejeitado. O tribunal classificou essa alegação como “não reconhecível” em termos legais.
A Bomba: O Argumento que Poderia Ter Mudado Tudo
O juiz identificou um terceiro argumento potencialmente devastador — que os autores não exploraram adequadamente: a diluição de mercado. Ou seja, a possibilidade de os modelos de IA criarem obras que, mesmo sem infringir diretamente, competem com os originais, inundando o mercado com alternativas que substituem livros humanos.
Segundo o juiz Chhabria, este ponto pode ser crucial em futuros processos contra empresas de IA: “Nenhuma outra forma de uso — seja a criação de uma obra derivada única ou de ferramentas digitais — tem potencial tão vasto para saturar o mercado como o treino de LLMs.”
Mas como os autores não apresentaram dados empíricos convincentes sobre esta diluição, a argumentação foi descartada como meramente especulativa, e a balança da justiça pendeu para a Meta.
Vitória Agridoce e Um Aviso Sério para o Setor de IA
Apesar da aparente vitória, o veredito traz consigo um alerta preocupante: esta decisão cobre apenas parte das alegações e aplica-se exclusivamente aos 13 autores envolvidos. A decisão não legitima o uso generalizado de obras protegidas sem licenciamento — apenas revela que os argumentos certos ainda não foram apresentados.
Meta tentou convencer o tribunal de que uma decisão desfavorável poderia paralisar a evolução da IA. Mas o juiz não se comoveu: “A ideia de que decisões desfavoráveis em matéria de direitos de autor parariam esta tecnologia é absurda. Estas ferramentas deverão gerar biliões, até triliões de dólares. Se o treino com obras protegidas é tão essencial como dizem, encontrarão forma de compensar os autores.”
O tribunal deixou claro que esta decisão não valida o comportamento da Meta como legal. Apenas reflete que, neste caso, os autores falharam em apresentar os argumentos certos e as provas necessárias. Um aviso direto a todos os desenvolvedores de IA: o tempo de treinar modelos com dados pirateados pode estar a chegar ao fim.