Um relatório explosivo levanta suspeitas de que uma grande empresa de publicidade possa estar a utilizar os microfones dos dispositivos dos utilizadores para os espiar e, assim, fornecer anúncios altamente direcionados. A investigação, revelada pela 404 Media, expõe um escândalo que está a deixar muitos a questionar a sua privacidade.
Os dispositivos inteligentes estão a escutá-lo?
A Cox Media Group (CMG), parceira de gigantes como Meta (Facebook), Microsoft, Amazon e Google, alegadamente afirma que tem a capacidade de oferecer anúncios personalizados com base nas conversas captadas perto dos microfones dos dispositivos dos utilizadores. Esta tecnologia, conhecida como “Escuta Ativa”, representa uma invasão preocupante à privacidade. Incrivelmente, a CMG não só reconheceu abertamente a sua capacidade de escutar conversas próximas de dispositivos inteligentes, como chegou a promover estas funcionalidades numa página web! Sim, leu bem: a empresa estava a vangloriar-se de espiar os utilizadores no seu próprio site!
Documentos internos, obtidos pela 404 Media, revelam as assustadoras capacidades da Escuta Ativa. A CMG rapidamente eliminou a página onde se gabava desta tecnologia, logo após a controvérsia ter surgido. Será que isso não constitui uma espécie de confissão de culpa? No entanto, para muitos, isso ainda não é prova suficiente.
No ano passado, surgiram alegações semelhantes, prontamente negadas pela Google e Amazon. Segundo a Ars Technica, a Google afirmou que o Android possui restrições para impedir que aplicações capturem áudio sem o consentimento do utilizador, mostrando um ícone sempre que o microfone é ativado (algo que o iOS também faz). A Amazon, por sua vez, declarou que os dispositivos Echo apenas são ativados com a palavra-chave de ativação. Além disso, esclareceu que os utilizadores podem rever o histórico de voz na aplicação Alexa e verificar que tipo de dados foram processados. Mas, que mais poderiam eles dizer?
O Techdirt recorda que esta não foi a primeira tentativa da Cox de implementar algo semelhante. Em 2009, o gigante do cabo tentou instalar microfones e câmaras em set-top boxes para monitorizar as pessoas. Um artigo do The Byte faz referência a uma versão arquivada de um post do blog da CMG onde eram descritas as capacidades da Escuta Ativa. A Gizmodo reporta que a Amazon negou qualquer colaboração com a CMG neste programa, afirmando que não tem planos para tal. A Meta também rejeitou as acusações. Após o relatório da 404 Media, a Google decidiu terminar a sua parceria com a CMG. Coincidência? Talvez não.
Os novos documentos revelam detalhes alarmantes, como a capacidade da inteligência artificial de recolher e analisar dados de voz provenientes de mais de 470 fontes, incluindo dados comportamentais, para identificar uma audiência “pronta para comprar”. Um dos diagramas mostra um smartphone, uma TV e um altifalante inteligente, provavelmente os dispositivos utilizados para escutar os utilizadores. Esta “Tecnologia de Audiência Preditiva” utiliza os dados recolhidos para criar listas de audiência e direcionar anúncios específicos. Parece ficção científica, não é? Mas será que isto é mesmo possível? Qual será a aplicação que utiliza para o ouvir?
Não se está a afirmar que a CMG é inocente, nem que a 404 Media está a exagerar, mas é necessário haver provas concretas para sustentar estas alegações. Até agora, tudo parece ser circunstancial, com base em documentos internos. Se esta tecnologia foi ou não utilizada, é uma questão que talvez nunca tenha uma resposta definitiva.
Teorias como esta não são novas; há quase uma década que se ouvem histórias estranhas que se alinham com estas acusações. Pessoas conhecidas relataram experiências onde anúncios surgiam relacionados com conversas que tinham tido perto dos seus dispositivos.
Uma amiga comentou, em tom de brincadeira, que o Facebook estava a mostrar anúncios de lugares onde queria ir, como se fosse magia. Será que o telefone a estava a ouvir? Argumentou-se que não era apenas uma coincidência e que, provavelmente, ela tinha pesquisado essas cidades no Google ou Google Maps, o que poderia ter resultado num rastreamento entre sites. Esses dados poderiam, em combinação com o rastreamento por IP, ser associados à sua conta social, resultando em anúncios para hotéis, restaurantes e lojas nesses locais. Parece lógico, mas ainda assim, é inquietante.
Não se pretende aqui defender as redes sociais ou as grandes empresas de tecnologia, pois a desconfiança em relação a estas é justificada. No entanto, ao analisar as evidências, percebe-se que ainda não há muito para sustentar estas alegações de escuta ativa.
As empresas de marketing podem estar a escutar os microfones dos dispositivos móveis dos utilizadores? Não se pode afirmar com certeza, mas é assim que as redes sociais aprendem sobre os utilizadores. Cada partilha, cada like, cada foto ou vídeo carregado ajuda a construir um perfil detalhado do utilizador. É dessa forma que os anúncios são vendidos – o utilizador é o produto!
Por mais que isto possa soar como uma teoria da conspiração, há quem acredite que a próxima grande arma das gigantes tecnológicas são os chatbots de inteligência artificial, com os quais os utilizadores interagem por texto ou voz. Estes chatbots podem parecer úteis e inofensivos, mas estão a recolher dados valiosos, aprendendo sobre as preferências e rotinas dos utilizadores. Sob o pretexto de simplificar tarefas, estão a invadir profundamente a privacidade. A IA está a facilitar a vida, com tudo processado no dispositivo, anonimizado e encriptado de ponta a ponta. Mas, será mesmo assim? Basta um simples pedido de uma agência governamental, e pode-se abrir uma porta dos fundos. As ferramentas de IA são talvez a maior ameaça à privacidade, superando até os anúncios e rastreadores, porque os utilizadores as utilizam de forma voluntária.