De tempos a tempos, o mundo da tecnologia brinda-nos com histórias tão inacreditáveis que parecem saídas diretamente de um romance cyberpunk. Uma dessas histórias — absolutamente alucinante — é a do técnico de electrónica neerlandês Romke Jan Bernhard Sloot, que nos finais dos anos 90 fez uma afirmação que deixou o mundo de boca aberta: teria desenvolvido um método de compressão digital tão avançado que permitiria guardar filmes inteiros em apenas 8 kilobytes de espaço.
Sim, leu bem. Não são gigabytes. Nem megabytes. São kilobytes. Apenas 8KB.
E não estamos a falar de “8K” como resolução de vídeo. Estamos mesmo a falar de “dê-me 8KB no seu disco e verá um filme completo em HD a correr a partir desse minúsculo ficheiro”.
Isto não era conversa fiada num qualquer fórum obscuro. Havia investidores sérios por trás da ideia. Um deles, Jos van Rossum — executivo da empresa holandesa Wegener Arcade — ficou tão impressionado com as demonstrações de Sloot que lhe injetou cerca de 250 mil florins neerlandeses (aproximadamente 113 mil euros em valores atuais) para financiar o desenvolvimento da tecnologia. Esse impulso financeiro permitiu criar protótipos e atrair ainda mais atenção mediática e empresarial.
E atenção foi exatamente o que não lhe faltou.
Nomes sonantes da indústria tecnológica e dos media, incluindo Roel Pieper, ex-CTO da Philips, mostraram um interesse profundo pelo que poderia vir a ser a maior revolução digital de sempre. Pieper, que se encontrava semi-aposentado, acreditava no potencial do sistema de Sloot. E como não acreditar? Estamos a falar de armazenar um filme completo num ficheiro menor do que um documento Word.
Hoje, em pleno 2025, uma pen USB de 64GB pode conter à volta de 30 filmes em 1080p, codificados com x265 a cerca de 2GB cada. Mas o sistema de Sloot prometia armazenar 184 filmes completos… num disquete de 1.44MB.
O impensável estava prestes a acontecer. No final dos anos 90, as negociações com a Philips estavam em fase avançada. Pieper preparava-se para integrar o conselho de administração da empresa que iria comercializar a tecnologia. Mas então, o impensável aconteceu.
Dias antes da assinatura do contrato decisivo, Romke Sloot morre inesperadamente de ataque cardíaco, com apenas 45 anos.
Pior ainda: o disco onde alegadamente se encontravam os detalhes técnicos do sistema de codificação — um simples disquete — desaparece misteriosamente. Sem Sloot. Sem código-fonte. O projeto desmoronou-se… mergulhando num mar de incertezas e teorias conspirativas.
Afinal, O Que Era o Sistema de Codificação Digital de Sloot?
A proposta de Sloot não seguia os métodos convencionais de armazenamento de dados. Alegadamente, usava um gigantesco banco de dados de padrões e templates — um codec universal que, em vez de armazenar cada byte, faria referência a estruturas já existentes, como se evocasse um “universo de dados pré-programados”.
Soa a truque de magia? Não está sozinho. Os cépticos apontam para os princípios fundamentais da teoria da informação — nomeadamente o limite de entropia de Shannon — que estipula claramente que, embora seja possível comprimir alguns dados, não é possível comprimir todos os dados de forma indefinida.
É verdade que o conceito de bancos de dados para compressão não é novo. Usamos isso em vários contextos: se uma frase repete “banana banana banana”, basta codificar “banana = 1” e substituir o texto por “1 1 1”. Do mesmo modo, um submarino pode receber ordens codificadas com base num manual que já tem a bordo, bastando transmitir um número para executar uma operação complexa. A compressão é real — mas só porque a informação pré-existe noutro sítio.
No caso de Sloot, o problema é de escala: um banco de dados capaz de conter todas as possíveis variações de filmes em HD teria de ser tão colossal que requereria mais átomos do que existem no universo conhecido.
Apenas um fotograma em 1920×1080 já ocupa mais do que 8KB. E o resumo em texto simples do filme Casablanca, em neerlandês, ultrapassa os 29.000 bytes.
E ainda assim… as demonstrações pareciam reais. Sloot mostrava filmes como Terminator 2 a correr a partir de ficheiros minúsculos. Os investidores viam com os seus próprios olhos. Mas sem o código, ninguém conseguiu replicar o feito.
Fraude? Mal-entendido? Ou Génio Trágico Perseguido pelo Destino?
As teorias abundam:
🔸 Fraude total. Sloot seria um vigarista genial, capaz de iludir até os técnicos mais experientes com apresentações cuidadosamente manipuladas.
🔸 Conceito mal compreendido. Talvez o sistema não fosse compressão real, mas uma forma extremamente avançada de reconstrução de dados com base num banco de dados gigantesco — o que funcionaria apenas com conteúdos previamente conhecidos.
🔸 Uma descoberta real… perdida para sempre. A hipótese mais romântica — e a mais trágica. Se for verdade, será um dos maiores “e se” da história da computação moderna.
Pessoalmente, a teoria mais plausível parece ser a do autoengano. Sloot, com formação em engenharia eletrónica, talvez tenha cometido um erro de cálculo que nunca chegou a detetar. Talvez tenha acreditado até ao fim que tinha nas mãos uma revolução.
Mas o que é certo é que não se ganham 113 mil euros com uma ideia qualquer.
E a verdade é que, décadas depois, o mundo continua a perguntar-se: seria Sloot um génio incompreendido que morreu antes de mudar o mundo… ou apenas um homem com uma ilusão demasiado convincente?